"Minha vizinha tocou em casa dia desses e eu a convidei para entrar, a
gente precisava trocar um papo rápido. Minha casa estava em um dia
comum, ou seja, um caos. Não moro dentro da revista de decoração, mas
confesso que mimar a casa é um dos meus hobbies. Fui decoradora (sou?
fui? nasce uma mãe, nasce uma crise) e meus dotes com as telas e
pincéis, as cores e os tecidos fizeram da minha sala um local meramente
agradável.
E daí nasceram meus filhos e eles fizeram da minha sala um local
meramente... nojento. A ponto de a vizinha adentrar na casa e eu
disparar instintivamente o clássico: "desculpa pela bagunça".
Virei mãe por meio das imagens estáticas de revistas, das novelas, dos
filmes e dos, por que não?, comerciais de margarina. Ou carros. Ou
inseticidas venenosos, esses, sim, comerciais de mães lépidas e
magrinhas com casas impecavelmente arrumadas e filhos combinando. Não
era de se surpreender que eu achasse que a vida com as crianças ia ser,
digamos, mais "ton sur ton".
Pois bem, não é. Vida com crianças é um exercício de conviver com cores imprevisíveis e destoantes. E muita sujeira.
As almofadas, antes organizadas por relevância de tamanho no sofá,
formam um vulcão no meio da sala. Os móveis mais acessíveis estão sujos
com melecas. Normalmente saliva mesmo, porque criança gosta de lamber as
coisas. E eles pouco ligam se dentro da boca há um restinho de leite ou
da bolachinha orgânica que você pagou o olho da cara, o negócio é
estimular o prazer oral e lamber geral. E desmoralizar as almofadas,
claro, aquelas pestes. Desculpa pela honestidade.
As roupas que você comprar daquela infinita –e ironicamente inútil em
sua maioria– lista de enxoval tem destino certo: ou serão tão pouco
usadas, porque as crianças crescem rápido demais para seus ajustes de
modo que parecerão novas quando abandonarem suas gavetas, ou serão
suficientemente usadas (e por isso, se seu filho for porcalhão como os
meus, leia-se umas duas ou três vezes) para abandonarem as gavetas
diretamente para a prateleira de trapo. Trapo de limpar móvel babado com
resto de comida azeda. Desculpa pela escatologia.
Sabe aquelas mantinhas e sachês que combinam com a garrafa térmica, o
porta-cotonete e o paninho que vai em cima do ombro na hora de pôr o
bebê para arrotar? Então, isso só funciona na revista mesmo. Na vida
comum, ou seja, no caos, nenhum sachê apaga o odor de cocô que impregna
em um quarto de uma fraldinha premiada recém-trocada. E na hora que você
precisa de um paninho para limpar uma golfada nervosa que seu filho deu
no sofá de "chenille", só vai encontrar o resto do pacote da bolachinha
orgânica que seu mais velho picou pela casa toda. Entre e fique à
vontade, só não sente aí nessa mancha que o menino acabou de vomitar no
sofá! Desculpa pela falta de tato.
Preparada para uma maternidade limpinha e decorada é difícil receber a
vizinha sem alguma autocrítica pela capa de revista não alcançada.
O jeito é fazer uma avaliação da visita antes mesmo que ela entre em
casa, para saber o nível de aflição que ela vai passar. Daí desenvolvi
um método.
Se a pessoa não tem filhos, peço desculpa mesmo. Ela nunca vai entender
o porquê daquele monte de torrada dentro do vaso da planta (que morreu,
né?). Se ela tem filhos, reparo nas meias deles. Se estiverem
impecáveis e pareadas, é possível que ela seja uma mãe de revista. Não
só peço desculpas pela bagunça como também peço umas dicas. Quem sabe
ela me ensina como manter a ordem e o equilíbrio cromático da minha casa
e meus filhos mais limpinhos? E, por fim, se ela aparecer com uma
criança vestindo uma camiseta que poderia ser um trapo de limpar chão,
nem preciso falar nada. Vai entrando, cuidado com essa meleca, sente-se e
fique à vontade. Ela é das minhas."